domingo, 14 de março de 2021

Um ano de luta

 




Acordo com o azul do céu nas frestas da persiana. O café sem pressa, um pão de fermentação natural, as frutas. Uma caminhada pelo bairro, um bairro arborizado e silencioso, os exercícios na sala ampla, uma sessão de yoga, a meditação que só consigo aos domingos, e que, nesses dias tensos, mais parece uma reza. Medito a luz verde, violeta, já não sei qual a cor da saúde, mentalizo as pessoas, rezo a avemaria que é meu mantra desde criança, e nem sei bem porquê. Repito a oração, acalmo a mente. Aspiro a sala, escovo a gata, preparo um almoço fácil. Leio um pouco do meu livro triste, descanso sem dormir. Vou no supermercado, encho o carrinho de comida, compro incensos, que por algum motivo não estão vetados, pago os olhos da cara por tudo, volto, envio receitas pelo computador. Checo alguns amigos que estão doentes. Dou orientações pelo whatsapp. Recebo notícias tristes, emergências fechadas, a mãe de uma amiga de um amigo morreu em casa, o pai do mesmo amigo que está recebendo oxigênio numa ala nova de um hospital, sem assistência adequada, porque os profissionais estão sobrecarregados, ele me fala dos sacos com os corpos, da correria, da falta de notícias, da angústia. 

Limpo a cozinha, troco a areia da gata, tomo um banho, leio as notícias, caiu o ministro, não caiu, era mentira. Quero escrever um poema, mas estou seca de poesia. Falta silêncio, ouço buzinas e protestos, surdos às sirenes de ambulâncias que peregrinam batendo em portas fechadas.
Sou grata, sei da minha imensa sorte, de estar com saúde, de ter comida na geladeira, de ter uma casa confortável, sou grata pelas árvores e pelo sol, pelo conforto do meu sofá, pelas séries que me alienam. Sou grata pelos amores que cultivo. Fico feliz de estar podendo ajudar tanta gente, mesmo exausta, com a sensação de trabalhar 24h por dia, eu não estou em nenhum outro lugar onde não poderia estar.
E tudo que faço, que fazemos, ainda parece pouco ou nada, perante a notícia de que pessoas passaram 5 horas numa fila para registrar a morte de seus entes queridos.
O domingo de sol se turva com estas dores inimagináveis. Estamos numa guerra, é preciso resistir, encontrar alento, achar a poesia que se esconde nos cotidianos. Mas é preciso, acima de tudo, estar atento e forte. Não esquecer que estamos numa guerra, e estamos numa guerra sem um bom general. Jogados à propria s(m)orte. Alienados.

Vacinas para todos, já. E respeito. Mais respeito, por favor.

PS-faz de conta que o pessoal da foto à esquerda tá pedindo vacina e medidas sanitárias.

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