domingo, 20 de julho de 2014

Antes de Amanhecer, ou Antes Ainda


Acordo com ressaca do vinho que não tomei. Um pássaro canta ao longe. Pelas frestas da cortina vejo que brilha o sol, no céu de um azul quase indecente. Acabou a noite, foi-se a madrugada longa e fria. Começa o dia, e é urgente. A luz que entra, sem pedir licença dissipa os restos do sono. Eu o vejo, fugindo pela janela como um ladrão. Tento chamar, quero gritar, mas a garganta está rouca pelos cigarros que não fumei. A voz não sai. Esfrego os olhos secos, e borro o rosto com o rímel que não passei. O pássaro canta mais alto. Não é feio seu canto, um triste e agudo lamento.
Quero que se cale e que me deixe em paz. Quero voltar ao silêncio da noite, e antes, e antes ainda. Quero ouvir tua voz, e a minha, e antes ainda. Quero antes de nossas vozes, antes de nossa pergunta, do nosso por quê, antes até de tudo acontecer. 
Mas o pássaro não deixa. Não cala. O tempo, não para. Não volta, não volta, não volta...
O sol invade meu quarto, meu apartamento, minha vida. Brinca de esconde esconde com as sombras, desenha na parede, avisa. 
Hora de levantar. De abrir as cortinas. Continuar.
É domingo, do ano corrente, não antes. Nem ontem. 
Tenho os lábios inchados dos beijos que não te dei. E os olhos borrados, e a voz rouca, e a cabeça oca, numa doce ressaca de ti. Sorrio ao lembrar do que não fiz.
Não tenho a tua resposta. Sinto muito, nunca vou ter. Não tem importância. Esqueci da pergunta, quando amanheceu.
Talvez tenha sido apenas um sonho. Que não sonhei com você. 
Será que sonhei?

Dani Altmayer

2 comentários:

  1. Os sentidos podem se transformar em palavras,
    difícil é encontra-las, no tamanho exato.
    Ha, a imaginação, deixa leve a escrita, pela insensatez
    Não existem respostas, apenas a vida.

    "La raison ne connait pas les intérêts du ceur"
    (Vauvenargues)


    ResponderExcluir