quarta-feira, 23 de abril de 2025

Adeus à Eça




Mudar é remexer memórias.

Nas caixas, fotografias e cartas de um tempo em que ainda se revelavam coisas.
Sem filtros, sem pretensão, de um tempo onde a perfeição não existia.
Cabelos desgrenhados, mangas bufantes, borrões e poses descuidadas, dedos intrometidos, rasuras. Palavras na máquina de escrever, em letras cursivas, afetos saudosos que chegavam por baixo da porta. Com selo e endereço, eram nossas entregas preciosas de então.
Cadernos de desenho, histórias inventadas, ilustradas, o amor registrado nos mínimos detalhes. A dor também.
O bebê no seio, os primeiros passos, os sorrisos, as viagens. Medalhas, diplomas, boletins e quadros. Cada um com seu porquê, sua trama, tecendo no tempo do apartamento uma vida inteirinha.
Os livros, travesseiros, cobertas, as coisas que já não fazem sentido, as eternas.
A louça lascada, um pinguim de pé quebrado, outra foto. Muitos álbuns, um problema: menos espaço. Descartar, escolher, sim e não.
Alguma lágrima inesperada, o choro incontido: mudar é remexer tudo, por dentro.
Sacos e sacos de lixo, caixas de doar, caixas para levar, desapegos e apegos colocados na balança de viver.
Tanta tralha, tanta pérola, tanto acúmulo.
Por que que a gente é assim?
As coisas são só coisas que nos ajudam a lembrar.
Lembrar que o que mais importa nesse mundo não se encaixota, e não é isso.
É aquilo que muda com a gente, sem nunca mudar.
O que faz um lar não são as paredes nem o CEP.  É outra coisa infinita.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Novas paisagens

 



Aos primeiros acordes do outono
muda o sol na janela de estar
a despedida lenta abre outra
a poeira imensa
do que foi um dia foi